Estudo publicado na Nature Human Behaviour contraria a hipótese da “demência digital” e aponta benefícios cognitivos do uso regular de tecnologia por adultos mais velhos
O uso regular de tecnologias digitais — como computadores, smartphones e acesso à internet — está fortemente associado a um menor risco de comprometimento cognitivo em adultos com mais de 50 anos. A conclusão vem de uma metanálise robusta publicada online no dia 14 de abril no periódico Nature Human Behaviour, que analisou dados de 136 estudos envolvendo 411.430 participantes de diferentes países.
A pesquisa é a mais abrangente até o momento sobre o tema e fornece evidências consistentes de que o engajamento ativo com tecnologias digitais pode promover a manutenção — e até a melhoria — da função cognitiva em populações envelhecidas.
Desempenho Cognitivo e Era Digital
Os autores destacam que esta geração de adultos mais velhos é a primeira a envelhecer imersa em tecnologias digitais. Esse novo contexto levantou hipóteses opostas: enquanto a “demência digital” sugere que o uso intensivo de tecnologia teria efeitos deletérios sobre a cognição, uma linha oposta argumenta que o ambiente digital pode, na verdade, estimular capacidades mentais, promovendo a chamada “reserva cognitiva”.
Dados epidemiológicos dão suporte a essa hipótese: taxas de demência e declínio cognitivo vêm diminuindo desde a década de 1990 nos EUA e na Europa — período coincidente com a difusão da internet e dos computadores domésticos.
Metodologia e Resultados
A metanálise revisou estudos observacionais transversais e longitudinais extraídos de oito bases de dados científicas, como Medline, PsycInfo, Scopus e Cochrane Library. A idade média dos participantes foi de 68,7 anos, com 53,5% do sexo feminino. Os períodos de acompanhamento variaram entre 1 e 18 anos (média de 6,2 anos).
Entre os principais achados, destaca-se:
- Redução de 58% no risco de comprometimento cognitivo associada ao uso de tecnologia digital (RC = 0,42; IC 95%: 0,35–0,52).
- Redução de 26% nas taxas de declínio cognitivo ao longo do tempo (RR = 0,74; IC 95%: 0,66–0,84).
Essas associações mantiveram-se estatisticamente significativas mesmo após ajustes por fatores como idade, nível educacional, saúde geral e variáveis socioeconômicas.
A análise de subgrupos mostrou que diferentes modalidades de uso digital oferecem benefícios específicos:
- Uso de computador: RC = 0,536 (IC 95%: 0,456–0,630)
- Acesso à internet: RC = 0,416 (IC 95%: 0,295–0,588)
- Uso de smartphone: RC = 0,514 (IC 95%: 0,428–0,618)
- Uso combinado de tecnologias digitais: RC = 0,252 (IC 95%: 0,167–0,380)
Implicações Clínicas e Conceito de “Reserva Tecnológica”
Os achados reforçam o conceito da “reserva cognitiva” — a capacidade do cérebro de resistir a danos neuropatológicos por meio da estimulação contínua. “A biologia não é destino quando se trata de envelhecimento cognitivo. Mesmo diante de alterações neuropatológicas, muitos idosos mantêm funcionamento cognitivo preservado”, escreveram os autores.
Nesse contexto, a tecnologia digital pode representar uma nova via de estimulação cognitiva — emergindo o conceito de reserva tecnológica como um potencial fator protetor contra o declínio neurocognitivo.
Limitações e Próximos Passos
Apesar dos resultados promissores, os autores alertam para limitações importantes. A maioria dos estudos analisados foi conduzida em países de renda média a alta, o que limita a generalização para outras populações. Também foram observadas disparidades significativas no acesso e no uso de tecnologias entre diferentes faixas etárias, níveis educacionais e estratos socioeconômicos — o que contribui para uma “cisão digital” relevante.
Os pesquisadores destacam a necessidade de investigações futuras que explorem a causalidade bidirecional, os mecanismos neurobiológicos envolvidos e o impacto de diferentes tipos e intensidades de uso tecnológico ao longo do tempo.
Referência
Benge JF, Scullin MK. A meta-analysis of technology use and cognitive aging. Nat Hum Behav. 2025. https://doi.org/10.1038/s41562-025-02159-9