Em um passo ousado rumo à inovação terapêutica, o estudo publicado no New England Journal of Medicine (março de 2025) traz evidências robustas do uso de sistemas automatizados de infusão de insulina (Automated Insulin Delivery – AID) em pacientes com diabetes tipo 2 tratados com insulina, desafiando o paradigma de que tais tecnologias seriam exclusivas do diabetes tipo 1. O estudo, intitulado 2IQP Trial, é um marco na endocrinologia moderna por avaliar a eficácia e segurança do AID em um grupo até então pouco representado.
Desenho do Estudo: Um Ensaio Rigoroso com Resultados Concretos
O ensaio clínico randomizado, multicêntrico e controlado incluiu 319 adultos comdiabetes tipo 2 em uso de insulina basal-bolus. Os participantes foram randomizados na proporção 2:1 para uso de AID (n=215) ou manutenção do regime usual de insulina (n=104), sendo que ambos os grupos utilizaram monitoramento contínuo de glicose (CGM).
O sistema AID utilizado combinou a bomba de insulina t:slim X2 com tecnologia Control-IQ+ e o sensor Dexcom G6. O desfecho primário foi a redução da hemoglobina glicada (HbA1c) após 13 semanas, com múltiplos desfechos secundários avaliando tempo no alvo glicêmico, hiperglicemia, hipoglicemia e segurança.
Resultados Impressionantes: Melhor Controle com Segurança Mantida
✅ A redução média da HbA1c foi de 0,9% no grupo AID (de 8,2% para 7,3%) versus 0,3% no grupo controle (de 8,1% para 7,7%) — diferença ajustada de –0,6% (p<0,001).
✅ O tempo em faixa-alvo glicêmica (70–180 mg/dL) aumentou em 14 pontos percentuais no grupo AID, o que equivale a 3,4 horas a mais por dia com glicemia controlada.
✅ O AID reduziu de forma significativa o tempo em hiperglicemia (>180 mg/dL e >250 mg/dL), eventos de hiperglicemia prolongada e média glicêmica.
✅ A incidência de hipoglicemia foi baixa em ambos os grupos, com diferença clínica irrelevante.
✅ O uso do AID resultou em leve redução da dose total de insulina (−8 unidades/dia) e aumento discreto de peso (+2,4 kg).
A adesão foi alta: 93% do tempo com o sistema em modo automatizado, e 98% dos participantes completaram o estudo. O benefício foi consistente independentemente de idade, sexo, etnia, IMC ou medicações concomitantes (GLP-1 RA e SGLT2i).
Segurança: Tecnologia com Baixo Risco, Mesmo para Iniciantes
Eventos adversos foram raros: um caso isolado de hipoglicemia grave e 6% de eventos de hiperglicemia relacionados ao dispositivo (principalmente falhas de infusão). Não houve casos de cetoacidose ou eventos fatais relacionados ao AID. Curiosamente, apenas 4% dos participantes tinham experiência prévia com bomba de insulina, e a maioria utilizava um regime fixo, sem contagem de carboidratos — o que indica viabilidade de uso mesmo em pacientes com pouca familiaridade tecnológica.
Relevância Clínica: Expansão do AID para Novas Fronteiras?
Historicamente voltado ao diabetes tipo 1, o AID mostrou-se igualmente eficaz em pacientes com tipo 2 que utilizam múltiplas injeções diárias de insulina. A magnitude da redução de HbA1c, sem aumento de hipoglicemias, coloca o AID como uma alternativa potente e segura para melhorar o controle glicêmico, especialmente em um grupo difícil de manejar clinicamente.
Além disso, os benefícios foram observados mesmo com o uso concomitante de fármacos modernos como GLP-1 RA e SGLT2i, indicando sinergia potencial entre abordagens farmacológicas e tecnológicas.
Estamos Prontos para Democratizar a Insulinoterapia Automatizada no Tipo 2?
O estudo 2IQP redefine os horizontes da terapêutica do diabetes tipo 2, sinalizando que o uso de tecnologias de circuito fechado pode ser seguro, eficaz e aplicável em larga escala — mesmo fora de centros especializados. Mas a adoção ampla esbarra em barreiras como custo, acesso, alfabetização digital e políticas de reembolso.
Diante desses resultados promissores, a pergunta que persiste é: estamos preparados para incorporar o AID como padrão de cuidado no diabetes tipo 2 tratado com insulina, ou continuaremos limitando seu uso a nichos, enquanto muitos pacientes seguem expostos a glicemias fora do alvo?
Referência
Autor: Dr Marcelo Tavares – Cardiologista e Ecocardiografista
CRM Nº 9932 | RQE Nº 5331 (Ecocardiografia) | RQE Nº 5330 (Cardiologia)
Pós-doutor em cardiologia pelo Incor/USP, Dr. Marcelo é professor de semiologia na UFPB e editor-chefe da Cardiovascular Imaging.
Membro do Advisory Board Médico DrHub