Em um cenário clínico repleto de desafios, o estudo STAR-ACS se destaca ao explorar, com rigor e profundidade, as práticas reais de prescrição antitrombótica em pacientes que enfrentam simultaneamente duas condições de alto risco cardiovascular: fibrilação atrial (FA) e síndrome coronariana aguda (SCA). Publicado no International Journal of Cardiology Cardiovascular Risk and Prevention (2025), o estudo oferece uma análise prospectiva de 450 pacientes de 146 centros japoneses que foram acompanhados por dois anos após angioplastia por SCA, todos com indicação de anticoagulação por FA.
Panorama do Estudo: Uma Radiografia do Mundo Real
Com idade média de 75 anos, os participantes foram majoritariamente de alto risco trombótico (CHA₂DS₂-VASc ≥4) e hemorrágico (HAS-BLED ≥3). Ao final da hospitalização inicial, 86% estavam em uso de anticoagulantes orais diretos (DOACs), especialmente apixabana (29%) e edoxabana (26%), enquanto apenas 14% recebiam varfarina. Incrivelmente, 75% dos pacientes estavam em terapia antitrombótica tripla (TAT) no início (DOAC ou varfarina + aspirina + P2Y12i).
Entretanto, ao longo do seguimento, observou-se uma clara tendência de desprescrição: em dois anos, apenas 7% mantinham dupla antiagregação, e mais de 90% usavam apenas anticoagulante ou associação com um único antiagregante. O princípio do “menos é mais” se impôs de forma notável.
Desfechos: DOACs à Frente na Proteção Contra Insuficiência Cardíaca
O desfecho primário — composto por eventos trombóticos e sangramentos maiores — ocorreu em 10% da coorte em dois anos. Embora a incidência total de eventos não tenha diferido significativamente entre DOACs e varfarina, o uso de DOACs foi associado a um risco significativamente menor de hospitalização por insuficiência cardíaca (HR: 2,8; p = 0,022).
Curiosamente, a taxa de sangramento maior foi semelhante entre os grupos, embora o grupo varfarina incluísse pacientes mais frágeis, com maior prevalência de diabetes, disfunção renal e FA permanente. Acredita-se que a maior taxa de hospitalização por IC com varfarina esteja associada ao perfil clínico mais grave e possivelmente ao controle subótimo do INR — um velho conhecido da prática clínica.
Mensagens Importantes: A Arte do Equilíbrio
O estudo demonstra que:
- O uso de DOACs é seguro e, possivelmente, mais benéfico em termos de desfechos cardíacos em pacientes com SCA e FA.
- A redução progressiva da terapia antiplaquetária não aumentou eventos trombóticos e reduziu o risco hemorrágico.
- Apixabana e edoxabana lideram a preferência entre os DOACs, talvez pela maior segurança observada em estudos prévios.
Além disso, os resultados destacam a capacidade dos cardiologistas japoneses em personalizar a terapia antitrombótica ao longo do tempo, ajustando estratégias de forma dinâmica conforme risco trombótico e hemorrágico individual.
Conclusão: Uma Nova Era na Terapia Antitrombótica?
O STAR-ACS nos oferece uma visão privilegiada do manejo contemporâneo de um dos cenários clínicos mais complexos da cardiologia: FA combinada com SCA. As evidências apontam para o fim da era da tripla terapia universal e para a ascensão de abordagens mais enxutas, seguras e personalizadas — com os DOACs assumindo protagonismo. Mas, diante desses achados, fica o questionamento inevitável: estamos prontos para abandonar de vez a TAT prolongada e adotar rotinas mais enxutas em escala global — ou ainda resistimos, temendo o risco de trombose a despeito das evidências em favor da segurança?
Referência
Autor: Dr Marcelo Tavares – Cardiologista e Ecocardiografista
CRM Nº 9932 | RQE Nº 5331 (Ecocardiografia) | RQE Nº 5330 (Cardiologia)
Pós-doutor em cardiologia pelo Incor/USP, Dr. Marcelo é professor de semiologia na UFPB e editor-chefe da Cardiovascular Imaging.
Membro do Advisory Board Médico DrHub