Por décadas, a pressão arterial de 12 por 8 (120/80 mmHg = milímetros de mercúrio) foi considerada o padrão-ouro da saúde cardiovascular, símbolo de equilíbrio e ausência de risco para doenças cardíacas. No entanto, diretrizes recentes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC), apresentadas no Congresso Europeu de Cardiologia em setembro de 2024, mudaram radicalmente a forma como a pressão arterial é classificada, impactando médicos, pacientes e políticas de saúde em todo o mundo.
O Que Mudou nas Diretrizes
As novas recomendações da ESC redefiniram os limites da pressão arterial, introduzindo uma nova categorização que busca identificar precocemente riscos cardiovasculares e estimular intervenções preventivas:
- Pressão arterial não elevada: abaixo de 120 por 70 mmHg (popularmente, 12 por 7)
- Pressão arterial elevada: entre 120 por 70 mmHg e 139 por 89 mmHg (de 12 por 7 até quase 14 por 9)
- Hipertensão arterial: igual ou superior a 140 por 90 mmHg (14 por 9 ou mais)
Na prática, quem apresenta pressão de 12 por 8 não é considerado hipertenso, mas está em uma zona de risco aumentado para desenvolver a doença no futuro. O diagnóstico de hipertensão permanece para valores iguais ou superiores a 140/90 mmHg, mas a abordagem clínica para pacientes com valores intermediários mudou: eles passam a receber orientações específicas para prevenir a progressão para hipertensão.
Fundamentação Científica e Estudos de Base
A principal motivação para a reclassificação foi o acúmulo de evidências científicas mostrando que níveis anteriormente considerados “normais-altos” estão associados a danos cumulativos nos vasos sanguíneos e maior risco de eventos cardiovasculares. O estudo SPRINT, por exemplo, demonstrou que a redução intensiva da pressão arterial para valores inferiores a 120/70 mmHg diminui significativamente o risco de infarto, AVC e morte cardiovascular em pacientes de alto risco, embora aumente a incidência de alguns efeitos adversos.
Além disso, estudos populacionais e ensaios clínicos multicêntricos reforçaram a ideia de que mesmo pequenas elevações na pressão podem resultar em:
- Dano subclínico aos órgãos-alvo (como hipertrofia ventricular esquerda e nefropatia incipiente)
- Rigidez arterial, um precursor de aterosclerose
- Disfunção endotelial, fator chave para progressão de doenças cardiovasculares
Implicações Práticas para Médicos e Pacientes
1. Mudança no Acompanhamento Clínico
Pacientes com pressão entre 12 por 8 e 13 por 8,5, antes considerados “normais”, agora recebem orientações específicas para prevenir a evolução para hipertensão. Isso inclui:
- Redução do consumo de sal
- Prática regular de atividade física
- Controle de peso
- Adesão correta à medicação quando prescrita
- Medições frequentes da pressão arterial
2. Estratificação de Risco
A avaliação da pressão arterial não deve ser feita de forma isolada. As diretrizes enfatizam a necessidade de estratificação do risco cardiovascular, considerando fatores como idade, histórico familiar, diabetes, dislipidemia, tabagismo, sedentarismo, obesidade e doença renal crônica. Essa abordagem permite definir metas terapêuticas e a necessidade de intervenção de maneira individualizada.
3. Tratamento Personalizado
- Pacientes com hipertensão (>140/90 mmHg): recomendação de tratamento medicamentoso associado a mudanças no estilo de vida, independentemente do risco cardiovascular.
- Pacientes com pressão arterial elevada (12 por 7 a 14 por 9): mudanças no estilo de vida são recomendadas por 6 a 12 meses para quem não tem risco aumentado; para pacientes de alto risco, a terapia farmacológica pode ser iniciada após 3 meses se não houver melhora.
Impacto na Prática Clínica e Saúde Pública
A reclassificação de 12 por 8 como pressão elevada deve provocar mudanças significativas na rotina dos consultórios e nas estratégias de saúde pública:
- Aumento da conscientização: Médicos precisam educar os pacientes sobre os riscos associados a essa nova classificação e a importância da adesão às mudanças propostas.
- Maior demanda por acompanhamento: Mais pessoas precisarão de monitoramento, exames e intervenções preventivas.
- Desafios na adesão ao tratamento: Especialmente nas mudanças de estilo de vida, que podem exigir suporte multidisciplinar.
- Potencial de redução de complicações: O foco preventivo pode diminuir drasticamente a incidência de complicações cardiovasculares, beneficiando pacientes e sistemas de saúde.
Críticas e Desafios
Alguns especialistas argumentam que a nova categoria de “pressão elevada” pode gerar confusão entre médicos e pacientes, dificultando a compreensão do que realmente constitui risco elevado. Outros questionam se há evidências suficientes para afirmar que a redução da pressão de valores como 124/74 para 110/70 traria benefícios significativos para todos os indivíduos. O consenso, porém, é que a mudança serve para refletir que o risco cardiovascular é contínuo, não binário.
Recomendações para Medição da Pressão
As diretrizes também reforçam a importância do monitoramento domiciliar, além da medição em consultório, para um diagnóstico e acompanhamento mais precisos:
- Em casa: duas medições, com intervalo de 1 a 2 minutos, duas vezes ao dia, por 3 a 7 dias consecutivos, em ambiente calmo e após repouso.
- No consultório: paciente deve estar sentado, descansado, sem ter feito exercícios ou consumido estimulantes por pelo menos 30 minutos, e a pressão deve ser medida em ambos os braços.
Considerações Finais
A redefinição dos limites da pressão arterial representa um marco na prevenção cardiovascular, incentivando intervenções precoces e personalizadas. Embora ainda haja debates sobre a melhor forma de comunicar essas mudanças e garantir adesão, o novo paradigma reforça a importância de hábitos saudáveis e acompanhamento regular para todos os adultos, mesmo aqueles que, até pouco tempo atrás, acreditavam estar fora de risco.
Referência
Mancia G, Kreutz R, Brunström M, Burnier M, Grassi G, Januszewicz A, et al. 2023 ESH Guidelines for the management of arterial hypertension. J Hypertens. 2023;41(12):1874–2071.