Medicação Anti-hipertensiva ao Dormir em Idosos Frágeis: Mudança de Horário, Mudança de Resultado?

Um dos debates persistentes na medicina cardiovascular gira em torno do melhor momento para administrar medicamentos anti-hipertensivos: de manhã ou à noite? A hipótese de que o uso noturno melhoraria desfechos cardiovasculares parecia promissora, especialmente após estudos prévios em populações mais jovens. No entanto, o estudo BedMed-Frail, publicado pela JAMA Network Open em maio de 2025, traz uma resposta direta e surpreendente — pelo menos para os idosos frágeis residentes em instituições de cuidados prolongados.

O Estudo: Design Robusto e População Específica

O BedMed-Frail foi um ensaio clínico randomizado, pragmático e multicêntrico conduzido em 13 instituições canadenses de cuidados continuados. Foram incluídos 776 idosos frágeis (idade mediana: 88 anos), a maioria com demência (85,6%) e polimorbidades como diabetes (47,3%) e doença arterial coronariana (39,6%). Os participantes foram alocados aleatoriamente para tomar seus anti-hipertensivos de uso diário à noite (grupo intervenção) ou pela manhã (grupo controle, uso usual). O acompanhamento mediano foi de 415 dias.

O desfecho primário foi composto por mortalidade por todas as causas ou internação/emergência por AVC, síndrome coronariana aguda ou insuficiência cardíaca.

Resultados: Nem Heróis, Nem Vilões

Não houve diferença significativa no desfecho primário entre os grupos:

  • 29,4 eventos por 100 pacientes/ano no grupo noturno
  • 31,5 eventos por 100 pacientes/ano no grupo controle
  • Razão de risco ajustada (HR): 0,88 (IC95%: 0,71–1,11; p=0,28)

✅ A mortalidade representou 91,6% dos eventos primários, refletindo a fragilidade extrema da população.
✅ Eventos adversos, como quedas, fraturas, úlceras de pressão, declínio cognitivo e alterações comportamentais, não diferiram entre os grupos.
✅ Apenas hospitalizações não planejadas e visitas ao pronto-socorro mostraram uma discreta redução no grupo noturno (22,6 vs 30,0 por 100 pacientes/ano; HR: 0,74; p=0,02), mas esta diferença perdeu significância estatística em análise post hoc.

Discussão: Hipóteses Que Não se Confirmam

Embora estudos anteriores em populações mais jovens (como os realizados por Hermida et al.) tenham sugerido reduções expressivas de eventos cardiovasculares com o uso noturno de anti-hipertensivos, os resultados do BedMed-Frail não replicam esses benefícios. A razão pode estar na fisiologia dos pacientes mais frágeis: nesses indivíduos, as causas de mortalidade e morbidade são multifatoriais, e a contribuição da hipertensão pode ser relativamente menor. Além disso, os riscos potenciais associados à hipotensão noturna — como quedas, declínio cognitivo e úlceras de pressão — também não se confirmaram, o que traz alívio, mas também reforça que o horário da administração parece não alterar significativamente o risco ou benefício neste grupo.

Implicações Práticas: Flexibilidade Individualizada

A principal mensagem do estudo é clara: em idosos frágeis institucionalizados, a escolha entre uso matinal ou noturno de anti-hipertensivos pode ser baseada na conveniência e preferência individual, sem impactos relevantes nos principais desfechos clínicos. Isso fortalece uma abordagem mais centrada no paciente e personalizada, em vez de rígida.

Conclusão: Hora de Redefinir as Prioridades na Geriatria Cardiovascular?

O BedMed-Frail traz à tona uma lição valiosa: nem toda intervenção comprovadamente eficaz em adultos saudáveis se traduz em benefício para idosos frágeis. A ideia de modular desfechos cardiovasculares apenas alterando o horário da medicação soa atraente, mas não parece fazer diferença significativa nessa população.

Diante de tais evidências, a pergunta que se impõe é: estamos prontos para abandonar a busca por estratégias universais e adotar abordagens terapêuticas realmente centradas na complexidade e vulnerabilidade do idoso institucionalizado?

Referência

Autor: Dr Marcelo Tavares – Cardiologista e Ecocardiografista

CRM Nº 9932 | RQE Nº 5331 (Ecocardiografia) | RQE Nº 5330 (Cardiologia)

Pós-doutor em cardiologia pelo Incor/USP, Dr. Marcelo é professor de semiologia na UFPB e editor-chefe da Cardiovascular Imaging.

Membro do Advisory Board Médico DrHub