A presença de escore de cálcio coronariano (CAC) igual a zero tem sido tradicionalmente associada a um risco muito baixo de eventos cardiovasculares, tornando-se um pilar da estratificação de risco na medicina preventiva. No entanto, o estudo sul-coreano publicado no American Journal of Cardiology em 2025 traz um importante alerta: mesmo em indivíduos assintomáticos com CAC zero, o diabetes mellitus (DM) pode representar um marcador de risco subclínico significativo.
Um Olhar Detalhado para Pacientes com CAC Zero
Foram analisados 4.139 adultos assintomáticos com CAC zero, submetidos a angiotomografia coronariana (CCTA) em um programa voluntário de check-up médico. Dentre eles, 534 eram diabéticos. A média de idade foi de 51,8 anos e a maioria era do sexo masculino. O objetivo foi investigar a prevalência de doença arterial coronariana (DAC) e a incidência de eventos clínicos em indivíduos com e sem DM, todos com escore CAC zero.
Mais Placas, Mais Estenoses, Mais Intervenções
✅ O grupo com DM apresentou maior prevalência de placas ateroscleróticas não calcificadas (16,7% vs 11,6%) e estenoses coronárias significativas ≥50% (3,4% vs 1,5%), mesmo com CAC zero.
✅ Índices de carga aterosclerótica como o segment involvement score e o modified Duke score foram significativamente maiores no grupo DM.
✅ O DM foi independente e significativamente associado à presença de estenose significativa, com um odds ratio ajustado de 1,88.
✅ Durante o seguimento de 5,3 anos, não houve infartos ou mortes cardiovasculares em nenhum dos grupos. Contudo, revascularizações foram mais frequentes em diabéticos (1,2% vs 0,3%), com hazard ratio ajustado de 3,64.
Interessantemente, esse aumento de intervenções ocorreu mesmo na ausência de eventos clínicos clássicos, muitas vezes motivado por isquemia silenciosa detectada em exames de imagem.
Controle Glicêmico: Quanto Pior, Maior o Risco
A análise estratificada mostrou um efeito gradativo do mau controle glicêmico sobre a prevalência de estenoses significativas:
- HbA1c <6,5%: 1,2%
- HbA1c 6,5–7,4%: 3,5%
- HbA1c ≥7,5%: 8,9%
Esses achados evidenciam que a carga aterosclerótica está fortemente associada à gravidade do diabetes, independentemente do escore de cálcio.
Hora de Reavaliar a “Segurança” do CAC Zero em Diabéticos
Apesar de a maioria dos pacientes diabéticos com CAC zero não apresentarem estenose significativa, a presença de placas e a taxa de revascularização maior levantam dúvidas sobre a segurança de considerar esses indivíduos como “baixo risco”. Mesmo que os eventos duros tenham sido raros, o estudo destaca que o escore zero não é sinônimo de ausência de doença, especialmente no contexto do DM.
O artigo reforça as diretrizes da ADA e ACC/AHA, que recomendam tratamento com estatinas para todos os diabéticos de 40 a 75 anos, independentemente do CAC. A presença de placas não calcificadas em um número significativo de pacientes com DM fortalece essa abordagem e sugere que o uso do CAC para “desclassificar” o risco pode ser inadequado nesse grupo.
Um Chamado à Ação ou um Exame Subestimado?
O estudo de Yoon et al. adiciona uma nova camada de complexidade à avaliação de risco em pacientes com diabetes. Ele desafia a prática de confiar exclusivamente no escore de cálcio para decisões terapêuticas, ao demonstrar que o risco aterosclerótico em diabéticos pode estar oculto mesmo com um CAC zero.
Diante disso, a questão provocadora permanece: devemos reformular o papel do CAC na estratificação de risco para diabéticos, incorporando rotineiramente métodos como a CCTA, ou ainda não estamos prontos para mudar esse paradigma silencioso, porém crucial, da cardiologia preventiva?
Referência
Autor: Dr Marcelo Tavares – Cardiologista e Ecocardiografista
CRM Nº 9932 | RQE Nº 5331 (Ecocardiografia) | RQE Nº 5330 (Cardiologia)
Pós-doutor em cardiologia pelo Incor/USP, Dr. Marcelo é professor de semiologia na UFPB e editor-chefe da Cardiovascular Imaging.
Membro do Advisory Board Médico DrHub