Troponinas Cardíacas e Prevenção Cardiovascular: Uma Nova Fronteira na Avaliação de Risco?

As troponinas cardíacas, tradicionalmente usadas no diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, agora despontam como biomarcadores promissores na prevenção primária das doenças cardiovasculares (DCV). O estudo CAPRICE, publicado no Journal of the American College of Cardiology (JACC), reuniu dados de mais de 62 mil indivíduos em uma metanálise robusta de 15 coortes internacionais para avaliar o valor preditivo das troponinas de alta sensibilidade — cTnT e cTnI — quando adicionadas aos fatores de risco convencionais.

Uma Abordagem Ampla e Precisa

O estudo incluiu indivíduos sem histórico prévio de DCV, acompanhados por quase 12 anos. Os desfechos analisados foram infarto fatal ou não fatal e AVC. Além de avaliar o risco individual, os autores modelaram o impacto populacional da adoção das troponinas na estratificação de risco para orientar o uso de estatinas — especialmente em pessoas de risco intermediário, segundo diretrizes da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC).

Ganhos Modestos, Mas Relevantes

✅ Cada aumento de 1 desvio-padrão em cTnT ou cTnI esteve associado a um aumento de 31% e 26%, respectivamente, no risco de eventos cardiovasculares.
✅ A adição de troponinas ao modelo tradicional resultou em aumento do índice C (discriminação de risco) em 0,015 para cTnT e 0,012 para cTnI, números comparáveis ao ganho proporcionado pelo NT-proBNP, e superiores ao da proteína C reativa (PCR).
✅ Com base em modelagem populacional no Reino Unido, estimou-se que um evento cardiovascular poderia ser evitado a cada 408 (com cTnT) ou 473 (com cTnI) pessoas triadas, caso o rastreamento resultasse na indicação de estatina.

A reclassificação foi particularmente eficaz em pessoas mais velhas e com diabetes, sugerindo que esses subgrupos podem se beneficiar mais da inclusão das troponinas na avaliação de risco.

Aplicações Clínicas e Perspectivas

As troponinas mostraram-se mais eficazes que o colesterol total e HDL-C na predição de risco, e tão boas quanto o NT-proBNP. Isso indica que podem capturar aspectos subclínicos da lesão miocárdica ainda não detectados pelos fatores de risco tradicionais.

O estudo destaca também a viabilidade técnica e clínica do uso das troponinas, pois os ensaios usados já estão amplamente disponíveis e aprovados. Assim, o impacto na prática clínica pode ser imediato, especialmente na atenção primária.

Estamos Prontos para Ampliar o Uso das Troponinas?

Apesar dos ganhos de predição serem modestos, a escala da aplicação populacional pode ter impacto significativo na prevenção cardiovascular. O estudo reforça a ideia de que as troponinas não são apenas marcadores de infarto, mas também sentinelas do risco cardiovascular silencioso.

Mas fica a pergunta crucial: devemos incorporar as troponinas de alta sensibilidade como rotina na avaliação de risco cardiovascular em todos os adultos de risco intermediário — ou ainda é cedo para mudar o paradigma da prevenção?

Referência

Autor: Dr Marcelo Tavares – Cardiologista e Ecocardiografista

CRM Nº 9932 | RQE Nº 5331 (Ecocardiografia) | RQE Nº 5330 (Cardiologia)
Pós-doutor em cardiologia pelo Incor/USP, Dr. Marcelo é professor de semiologia na UFPB e editor-chefe da Cardiovascular Imaging.
Membro do Advisory Board Médico DrHub