A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória crônica sistêmica que afeta entre 0,2% e 2,0% da população brasileira, com prevalência em mulheres entre 30 e 50 anos. Diversos estudos evidenciam que portadores de AR apresentam risco cardiovascular elevado, incluindo maior incidência e gravidade de insuficiência cardíaca (IC), configurando a AR como fator de risco independente para doenças cardíacas.
Prevalência e Expectativa de Vida
Pacientes com AR podem apresentar de 5 a 10 anos a menos de expectativa de vida em relação à população geral, resultado em grande parte do aumento de eventos cardiovasculares, como doença arterial coronariana e insuficiências cardíacas. O risco de IC e mortalidade cardiovascular relacionado à AR é de 2 a 5 vezes superior à população sem AR, o que equivale a pessoas de 5 a 10 anos mais velhas sem a doença.
Fisiopatologia: Inflamação e Lesão Cardíaca
A fisiopatologia da AR contribui diretamente na gênese de doenças cardíacas por meio de mecanismos imunológicos persistentes. Pacientes com AR demonstram aterosclerose precoce e calcificação coronariana mais extensa, além de maior produção de citocinas inflamatórias circulantes (PCR, TNF-α, IL-6) e autoanticorpos que promovem instabilidade de placas ateroscleróticas e lesões endoteliais. Essas alterações favorecem tanto a isquemia miocárdica silenciosa quanto os eventos agudos e crônicos, como a insuficiência cardíaca.
Além disso, a inflamação crônica está associada a maior resistência à insulina, síndrome metabólica, disfunção diastólica e alterações estruturais cardíacas, como diminuição do índice de massa ventricular esquerda, aumento da pressão pulmonar e volume do átrio esquerdo. A relação entre AR e disfunção diastólica foi confirmada por meta-análises recentes, diminuindo risco elevado de congestiva de IC.
Riscos e Comorbidades Relacionadas
Os fatores clássicos de risco cardiovascular (tabagismo, HAS, diabetes, dislipidemia) permanecem relevantes, porém cada vez mais se verifica que a inflamação sistêmica é preponderante para o aumento do risco de CI em pacientes com AR. Vale destacar que baixos índices de massa corporal (<20kg/m²) nestes pacientes sugerem maior atividade inflamatória e correlacionam-se com maior risco de óbito cardiovascular. Doenças paralelas, como diabetes tipo 2, osteoporose, alterações nos lipídios e aterosclerose, também são mais frequentes nessa população.
Características e prognóstico do IC na AR
A incidência cumulativa de insuficiências cardíacas ao longo de 30 anos chega a 34% entre pacientes com AR, em comparação com 25% na população geral. O risco ainda é maior em portadores de fator reumatóide positivo (OR=2,59), além de terem mais possibilidades ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada.
O prognóstico da insuficiência cardíaca em pacientes com AR é pior: a mortalidade chega a 16% nos primeiros 30 dias após o diagnóstico, contra 7% em indivíduos sem AR. O aumento das citocinas inflamatórias precede o aparecimento da IC, indicando papel direto da inflamação na fisiopatologia cardíaca.
Diagnóstico e Estratificação de Risco
Métodos de imagem, como angiotomografia coronária e ultrassonografia de carótidas, mostram maior calcificação arterial precoce em pacientes com RA, correlacionando-se com o tempo de doença e níveis plasmáticos de marcadores inflamatórios. O escore de Framingham, amplamente utilizado, é válido para pacientes com AR — sendo recomendado o uso complementar de métodos não invasivos para melhor estratificação e monitoramento da função cardíaca.
Implicações Terapêuticas
O controle adequado da inflamação sistêmica é o principal fator para redução do risco de insuficiência cardíaca em portadores de AR. Estratégias terapêuticas devem focar não apenas no tratamento reumatológico, mas também no acompanhamento cardiológico especificamente, considerando comorbidades e marcadores de risco. Medicamentos como metotrexato, anti-TNF e estatinas apresentam potencial de diminuição do risco cardiovascular, mas ainda exigem esclarecimentos quanto aos efeitos de longo prazo.
Conclusão
A AR é um fator de risco independente e relevante para insuficiência cardíaca e outros eventos cardiovasculares. O manejo multidisciplinar, com controle específico da atividade inflamatória, estratificação precoce do risco e tratamento das comorbidades associadas, é fundamental para melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes.
Referências
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