Um estudo de grande porte publicado em agosto de 2025 no JAMA Psychiatry lança luz sobre um tema crítico para a psiquiatria clínica: os efeitos dos antipsicóticos sobre o metabolismo da glicose. A pesquisa, liderada por Emily C. C. Smith, PhD, e Margaret K. Hahn, MD, PhD, analisou 163 ensaios clínicos randomizados, envolvendo quase 36 mil pacientes tratados com antipsicóticos e 19 mil com placebo, concluindo que esses medicamentos estão consistentemente associados a alterações glicêmicas — mesmo quando não ocorre ganho de peso.
Principais Resultados
A meta-análise incluiu 127 estudos com dados quantitativos, abrangendo pacientes com esquizofrenia, transtorno bipolar, depressão maior e até voluntários saudáveis. Entre os achados:
- Glicemia de jejum: aumento médio de 0,72 mg/dL em comparação ao placebo (p < 0,001).
- Insulina de jejum: incremento médio de 1,94 μIU/mL (p < 0,001).
- Hemoglobina glicada (HbA1c): elevação de 0,04% em relação ao grupo controle (p < 0,001).
- Risco de hiperglicemia: aumento de 29% (OR, 1.29; IC95% 1.04-1.59).
Esses resultados foram consistentes em subgrupos estratificados por idade, diagnóstico psiquiátrico, tipo de antipsicótico, dose utilizada, tempo de exposição e presença de medicações concomitantes.
Independência do Ganho de Peso
Uma das principais contribuições do estudo foi demonstrar que as alterações na glicemia não dependem unicamente do ganho de peso, contrariando a visão tradicional de que a disfunção metabólica seria apenas uma consequência da obesidade induzida por antipsicóticos. Mesmo em voluntários saudáveis ou após exposições de curta duração, já foram observadas alterações metabólicas significativas.
Implicações Clínicas
Essas evidências reforçam a necessidade de monitoramento metabólico rigoroso em todos os pacientes em uso de antipsicóticos — não apenas naqueles que apresentam aumento de peso. A triagem periódica de glicemia, HbA1c e insulina de jejum deve ser considerada prática padrão, dado o risco elevado de progressão para diabetes tipo 2, síndrome metabólica e complicações cardiovasculares.
Além disso, os autores defendem que os achados devem estimular a pesquisa e desenvolvimento de novos antipsicóticos com perfil metabólico mais favorável, bem como o uso de intervenções farmacológicas ou não farmacológicas para reduzir o risco glicêmico nos pacientes.
Conclusão
Os resultados desta meta-análise robusta consolidam a compreensão de que o tratamento antipsicótico, embora fundamental para o manejo de transtornos mentais graves, acarreta risco metabólico intrínseco e independente do peso corporal. A integração entre psiquiatria e endocrinologia torna-se, portanto, essencial para a prática clínica segura e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
Referências
Smith ECC, Agarwal SM, Panganiban KJ, et al. Antipsychotic Drugs and Dysregulated Glucose Homeostasis: A Systematic Review and Meta-Analysis. JAMA Psychiatry. 2025;82(10):977–991. doi:10.1001/jamapsychiatry.2025.2240