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A fome é um instinto ancestral que evoluiu ao longo de milhões de anos para garantir a sobrevivência humana. O artigo publicado no The New England Journal of Medicine explora a fisiologia da fome, seus mecanismos reguladores e os impactos da abundância alimentar na sociedade moderna. Com uma abordagem detalhada e embasada, o estudo revela como fatores neuroendócrinos, microbiota intestinal e aspectos emocionais moldam nossos hábitos alimentares, com implicações diretas para a obesidade e transtornos alimentares.
Os Três Mecanismos do Controle da Fome
A fome não é apenas uma necessidade biológica, mas um fenômeno regulado por circuitos altamente sofisticados que envolvem o eixo cérebro-intestino. Três tipos principais de fome foram identificados:
- Fome homeostática: Ocorre quando o organismo está privado de energia e precisa equilibrar a ingestão calórica. Envolve o hipotálamo e hormônios como grelina (o “hormônio da fome”), GLP-1 e peptídeo YY (PYY), que sinalizam a necessidade de comer.
- Fome hedônica: Independente da necessidade calórica, essa forma de fome é motivada pelo prazer e desejo por alimentos palatáveis, ricos em açúcar e gordura. Circuitos cerebrais de recompensa, incluindo dopamina e endocanabinoides, desempenham papel central.
- Fome impulsionada pela microbiota: Estudos recentes apontam que bactérias intestinais influenciam a fome, regulando hormônios e produzindo metabólitos que afetam o apetite. Compostos como ácidos graxos de cadeia curta podem estimular ou inibir a fome, dependendo da interação com o hospedeiro.
O Papel do Cérebro na Regulação do Apetite
O hipotálamo é o grande maestro da fome, recebendo sinais do trato gastrointestinal e regulando o consumo alimentar. A grelina, secretada pelo estômago, ativa neurônios que aumentam o apetite. Após a ingestão de alimentos, o estômago envia sinais de saciedade por meio de hormônios como GLP-1 e colecistocinina (CCK).
Além dos sinais metabólicos, o sistema de recompensa cerebral pode sobrepor o controle homeostático, promovendo o consumo excessivo de alimentos hiperpalatáveis. Isso explica por que muitas pessoas comem não por fome, mas por prazer ou resposta a emoções.
A Evolução da Fome na Sociedade Moderna
Com o surgimento da agricultura há 12.000 anos, a abundância de alimentos alterou o equilíbrio da fome homeostática, favorecendo a fome hedônica. A disponibilidade de produtos ultraprocessados e acessíveis exacerbou esse fenômeno, levando a um aumento global da obesidade.
Além disso, fatores culturais e socioeconômicos desempenham um papel importante no comportamento alimentar. Em sociedades industrializadas, a publicidade de alimentos altamente calóricos ativa circuitos cerebrais de recompensa, incentivando o consumo excessivo.
A Relação entre Microbiota e Controle do Apetite
Pesquisas emergentes indicam que o microbioma intestinal pode influenciar a fome por meio da produção de compostos bioativos, como ácidos graxos de cadeia curta, indole e succinato. Essas substâncias interagem com o sistema nervoso central e modulam a liberação de hormônios que regulam o apetite.
Por outro lado, desequilíbrios na microbiota (disbiose) estão associados à resistência à insulina, inflamação crônica e aumento da obesidade. Isso abre novas possibilidades terapêuticas, como a modulação da microbiota por probióticos e prebióticos para controle do apetite e peso.
Implicações para a Saúde Pública e Tratamentos Futuros
A compreensão da fisiologia da fome tem implicações diretas para o tratamento da obesidade e dos transtornos alimentares. Terapias que atuam nos mecanismos da fome, como agonistas do GLP-1 (exemplo: semaglutida e tirzepatida), demonstraram grande eficácia na redução do apetite e do peso corporal.
No entanto, a medicalização excessiva do apetite levanta preocupações, especialmente entre jovens e atletas, que podem fazer uso indiscriminado dessas substâncias. O equilíbrio entre intervenções médicas, estratégias nutricionais e mudanças comportamentais será essencial para o futuro da medicina metabólica.
Conclusão: O Futuro da Pesquisa sobre Fome e Metabolismo
O tema ganhou tamanho destaque a ponto de ser publicado algo inédito, um artigo de revisão sobre a fome na maior revista médica do mundo – New England Journal. O estudo reforça que a fome é muito mais do que uma simples necessidade de energia – trata-se de um fenômeno biológico, psicológico e socialmente influenciado. A interseção entre neurociência, endocrinologia e microbiologia pode abrir novas frentes terapêuticas para obesidade, transtornos alimentares e doenças metabólicas. A ciência da fome está avançando rapidamente, e compreender seus mecanismos pode ser a chave para combater a epidemia global de obesidade e promover saúde.
Referência
Fasano A. The Physiology of Hunger. N Engl J Med. 2025 Jan 23;392(4):372-381. doi: 10.1056/NEJMra2402679. PMID: 39842012.
Autor: Dr Marcelo Tavares – Cardiologista e Ecocardiografista
- CRM Nº 9932 | RQE Nº 5331 (Ecocardiografia) | RQE Nº 5330 (Cardiologia)
- Pós-doutor em cardiologia pelo Incor/USP, Dr. Marcelo é professor de semiologia na UFPB e editor-chefe da Cardiovascular Imaging.
- Membro do Advisory Board Médico DrHub