Mavacanteno Demonstra Segurança e Eficácia em Uso “Real-World” Com Mais de 6 Mil Pacientes Acompanhados por 22 Meses

Um novo estudo publicado na revista Circulation: Heart Failure trouxe dados robustos sobre a experiência do uso de mavacanteno, o primeiro inibidor seletivo da miosina cardíaca aprovado para o tratamento da cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (CMH-O) sintomática.
O levantamento, conduzido nos Estados Unidos, reuniu informações de 6.299 pacientes acompanhados ao longo de 22 meses dentro do programa de Risk Evaluation and Mitigation Strategy (REMS) — protocolo obrigatório de segurança exigido pela FDA.

Um Avanço No Tratamento Da Cardiomiopatia Hipertrófica

A CMH-O é caracterizada pelo espessamento anormal do músculo cardíaco, que leva à obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo e sintomas como dispneia, dor torácica e síncope.
Tradicionalmente, o tratamento se baseia em betabloqueadores, verapamil, disopiramida e, em casos refratários, miomectomia ou ablação septal.

A chegada do mavacanteno — um modulador da contratilidade que age diretamente sobre a miosina cardíaca — representou uma mudança de paradigma: em vez de apenas aliviar sintomas, ele atua na causa molecular da hipercontratilidade, reduzindo a obstrução e melhorando o desempenho cardíaco.

Desde sua aprovação em 2022 pelo FDA, o medicamento vem sendo monitorado por meio do programa REMS, que exige certificação de médicos, laboratórios e farmácias, além de controle rigoroso da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) por ecocardiografia.

Análise Real De Uso Clínico Em Grande Escala

O artigo “Mavacamten: Real-World Experience From 22 Months of the Risk Evaluation and Mitigation Strategy (REMS) Program” analisou dados de pacientes incluídos entre abril de 2022 e janeiro de 2024.

  • Total de pacientes: 6.299
  • Sexo: 60% mulheres
  • Idade: 64,6% acima de 60 anos
  • Duração média de tratamento: 7,5 meses
  • Subgrupo com ≥ 12 meses de uso: 1.929 pacientes

Todos os participantes foram submetidos a ecocardiogramas regulares, e os dados de segurança e eficácia foram coletados em 29.111 formulários de acompanhamento.

Segurança Cardiovascular E Melhora Hemodinâmica

Os resultados do programa REMS mostraram uma taxa relativamente baixa de eventos adversos graves:

  • Redução de FEVE (< 50%): ocorreu em 4,6% dos pacientes (256 de 5.573).
  • Hospitalização por insuficiência cardíaca: 1,3% (71 pacientes).
  • Em análises por formulário (n = 29.111), a taxa de FEVE < 50 % foi ainda menor (0,9 %), com hospitalização em 0,3 %.
  • Entre os 1.929 pacientes com pelo menos 12 meses de uso, apenas 4,0 % apresentaram queda significativa da FEVE, e 0,2 % tiveram hospitalização associada.

Esses números indicam estabilidade da função cardíaca em longo prazo sob monitoramento contínuo.

No grupo de pacientes que iniciou o tratamento com 5 mg/dia e manteve uso por mais de 6 meses (n = 3.228), 74,1 % permaneceram nas doses de 5 ou 10 mg/dia, sem necessidade de redução significativa.
Os gradientes de obstrução melhoraram expressivamente: 57,2 % dos pacientes apresentavam gradiente pós-Valsalva < 30 mmHg em 3 meses, chegando a 70,3 % aos 6 meses — marco clínico que indica redução importante da obstrução ao fluxo de saída do ventrículo esquerdo.

Segurança Sustentada Sob Vigilância

O estudo reforça o perfil de segurança do mavacanteno em condições reais de uso, confirmando os achados dos ensaios clínicos EXPLORER-HCM e VALOR-HCM.
Mesmo em uma população predominantemente idosa, com múltiplas comorbidades, a incidência de disfunção ventricular significativa permaneceu baixa.

Os autores destacam que o modelo de monitoramento contínuo — com controle rigoroso da FEVE e ajuste de dose — foi essencial para garantir essa segurança.
O REMS permite a detecção precoce de reduções da FEVE, possibilitando ajustes antes que evoluam para insuficiência cardíaca sintomática.

Implicações para a prática médica

Para a comunidade médica, os resultados representam confiança crescente na incorporação do mavacanteno como parte do arsenal terapêutico contra a CMH-O.
Embora o programa REMS seja exclusivo dos Estados Unidos, os dados reforçam a importância da avaliação ecocardiográfica periódica — especialmente nos primeiros meses de uso — como estratégia essencial de segurança.

No Brasil, a experiência internacional abre espaço para futuras avaliações regulatórias e farmacoeconômicas, uma vez que o medicamento ainda não está amplamente disponível no país.

Especialistas apontam que o impacto do mavacantenovai além do controle sintomático: ao modular a contração cardíaca, o fármaco atua sobre o mecanismo patogênico central da CMH-O, representando a primeira terapia verdadeiramente direcionada à fisiopatologia da doença.

Limitações do estudo

Os autores reconhecem algumas limitações:

  • O estudo não incluiu grupo controle.
  • Os dados dependem de formulários enviados voluntariamente dentro do programa REMS, o que pode introduzir viés de reporte.
  • O acompanhamento médio ainda é inferior a dois anos, limitando conclusões sobre efeitos a longo prazo.

Apesar disso, trata-se do maior conjunto de dados “real-world” já publicado sobre o uso de mavacanteno, com relevância significativa para a prática clínica e para decisões regulatórias futuras.

Conclusão

O acompanhamento de mais de 6 mil pacientes ao longo de quase dois anos confirma que o mavacanteno mantém perfil de segurança consistente e melhora clínica duradoura em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva sintomática.
Os resultados sustentam o uso contínuo da terapia sob supervisão ecocardiográfica, consolidando o papel do medicamento como um marco na abordagem moderna da CMH-O.

Referência

Desai MY, Seto D, Cheung M, Afsari S, Patel N, Bastien A, et al. Mavacamten: real-world experience from 22 months of the Risk Evaluation and Mitigation Strategy (REMS) program. Circ Heart Fail. 2025. Epub ahead of print. doi:10.1161/CIRCHEARTFAILURE.124.012441. PMID: 39523955.